Tuesday, August 29, 2006

Crepúsculo (af. 24)

À força de querer procurar as origens nos tornamos caranguejo. O historiador olha para trás e acaba por acreditar para trás.

Nietzsche

Sunday, August 27, 2006

O ciúme

Eu nunca planejei um tirano: vem ver esse jardim brilhoso que minhas brandas pretensões sufocam de tinos. (¡Verde verde que te quiero verde!) Pois eu sim disse, desde o fundo de uma garrafa de sangue rubro-denso e veloz servido em cálices, eu disse num brinde que preferia a gritaria do afogamento ao atordôo da boca seca, quieta. Mas súbito não foi o acreditar em ti que fez baixar minha maré de inconfidência: súbito foi o leito em que deitei para querer, a partir do próximo sonho, não ser nunca mais pelo menos esse pesadelo. Horizontal e reto como o fim do mar no contorno do céu e misturando azuis, repousei para aceitar uma metamorfose em outro tipo de bicho.

Um cavalo acordei e meus músculos em estréia retesaram-se, testando a nova forma. Era força, e coragem. Com os olhos sem fitar e plácidos, te investiguei de novo e eras teu próprio animal recusando-se a a ser chamado de moradia. Meu trote despertado quis levar-te para ver mundos mais longe e, sem encilhos nem esporas, acompanhamos ávidos o nascer de asas em nossos dorsos.

Pela vez mais vez, voamos juntos.

Friday, August 25, 2006

Prólogo

Durante a primeira exumação de meu túmulo, ouvi sussurrarem que meu coração ainda estava vivo. Compensaram minha resistência sensorial com um espanto conformado: meu resto todo apodrecera úmido no caixão, e enterraram tudo outra vez.

Naquela noite, chovi sangue sobre os examinadores do mundo.

* * *

Na segunda exumação, meu coração já estava cumprido. Antes de me abandonarem para sempre, enfeitaram-se com meu ouro.

Aliviados, os curiosos brilharam...

* * *

A terceira exumação teria sido uma surpresa para todos: sem nenhum vestígio de vida, eu não estava mais morto!